terça-feira, 1 de março de 2011

Somos Membros de que corpo?

Depois de uma longa sumida, voltei. =)
Ah, gente, vida de estudante de medicina é assim (essa é uma desculpa infalível pra qualquer coisa, desde cano nos amigos até preguiça de ajudar sua mãe em casa ahsuahushuahushuahushauhusauhshau).

Bom, semana passada eu conheci um paciente novo. Vamos chamá-lo de Seu João. Ele tem 79 anos, é casado com uma senhorinha idosa também que já não enxerga direito, tem um filho deficiente e um filho normal, e uns 3 netos.



Pois é, faz um tempo já que ele está internado lá no hospital onde eu estudo. Motivo: ele foi cortar um galho de uma árvore e caiu lá de cima, quebrando os dois braços e as duas pernas. =D  Legal, né? É, se não fosse o fato de ele ter mieloma múltiplo, uma espécie de câncer no sangue que acaba dando fragilidade nos ossos do corpo todo. ^^
Resultado disso: Seu João está lá em sua cama, deitadinho com os 4 membros quebrados, sem poder andar, sem poder mexer os braços, com uma sonda vesical no pênis, fazendo cocô numa fralda, tomando banho de toalhinha no leito, com dermatite seborréica no rosto inteiro e na cabeça.
Lindo!!!
Sabe o que é mais legal? O filho dele vai lá uma vez ou outra, mas vai embora correndo. Ele não tem nenhum acompanhante, ninguém que o ajude, que fique lá, que converse com ele, que coloque a comida na boca. Ninguém.

Eu chego lá todo dia de manhã e digo "Bom dia, Seu João! Tudo bem com o senhor?" e sabe o que ele me responde? "Opa, doutora. Tudo ótimo!".
A médica dele estava anteontem conversando, explicando pra ele que não tinha como ele sair do estado pra poder fazer a cirurgia. E ele? "Tudo bem, doutora, tá bom."
A gente falando que não tinha como ninguém da enfermagem ir lá fazer essas coisas pra ele, e a resposta: "Tá bom, doutora. Tá bom assim, tem problema não."
Desde que ele internou chamamos o filho dele pra conversar, e todos os dias ele dá a mesma resposta: "Ah, doutora, ele disse que amanhã vem conversar com a senhora. Amanhã ele vem."
"E os seus netos, Seu João? Não podem vir ficar com o senhor? Nem que seja só de manhã, ou só a tarde. Eu dou atestado pra escola."
"Ah, doutora, tem como não... Eles estudam muito. Não dá não."
...
E sabe, todos os dias ele me recebe com um sorriso. Um sorriso alegre, meio triste. Me vem lágrimas aos olhos de vê-lo, com aqueles dentes todos quebrados, cheios de cáries, alguns até apodrecidos, outros tanto faltando... O rosto cheio de caspa, todo descascando, vermelho de irritação da pele, a careca com os cabelos do lado brancos tudo arrepiado...
Os olhos com catarata, esbranquiçados, que nem saberia dizer a vocês qual a cor original deles.

O paciente do lado anda, fala, come; não está morrendo, morrendo. Não está ocupado com o trabalho, ou tem filhos pra levar pra cá e pra lá, ou tem compromissos marcados. Ele está lá, o dia inteiro, sem fazer nada... Só vendo o sofrimento do colega ao lado.
A equipe de enfermagem, na hora do lanche dos pacientes, está lá na sala de medicação. Alguns leêm livros, outros estão ouvindo música, alguns mais conversam. E hoje estava lá tocando Ministério Toque no Altar, algo do tipo. O livro que uma estava lendo era de bênçãos de não sei o que lá (nem olhei direito).
A nutricionista passa no quarto e pergunta "E aí, Seu João, comeu?". Claro, ele se levantou, pegou a comida e comeu. XD Óbvio, né?


Ontem peguei um coletor de urina novo, enchi de água gelada, peguei o tubinho por onde passa a urina, cortei e prendi perto da cabeça dele, em cima de um copo descartável. Pendurei o coletor na cabeceira da cama. Ele eufórico enquanto eu fazia tudo isso. =D Testamos um tubo, não funcionou. Testamos outro, aew deu certo! Ele bebeu uns 5 goles de água e depois mais 3 e cuspiu tudo, só pra testar o "bebedouro novo". Hahahaha! Tava tão feliz. Velho... Eu nunca vi um sorriso tão gostoso, te juro. Chega eu ri junto, sem nem perceber.

Outros alunos se condoeram com a situação e vão lá encher a garrafa dele de água. Na verdade uma aluna que tá fazendo estágio lá que me chamou atenção pra situação dele, póis até então eu fazia parte do grupo da enfermagem, dos outros alunos de medicina, do colega de quarto dele... Não estava nem aí pra situação do cara! Por quê? Porque eu não conseguia enxergar que ele estava com fome, com sede, que não mexia os braços, nem as pernas.

Isaías 59:10. Como o cego caminhamos apalpando o muro, tateamos como quem não tem olhos.

Aí você me pergunta: mas Talita, o que isso tem a ver com o blog, sobre Deus ter mudado a sua vida, etc?
Ah, velho... Ama o teu próximo como a ti mesmo.

Eu não gostaria de passar o dia deitada numa cama, morrendo de fome. XD Eu não gostaria de ficar dias e dias com dor nas pernas e nos braços. Eu não gostaria de ter um tubo enfiado na minha uretra. Não gostaria de ter que fazer cocô deitada, numa fralda, nem ter estranhos limpando a minha bunda.



Deus, através da vida desse cara, me atentou na prática pra uma coisa que há anos e anos eu tenho ouvido e falado na teoria. Um amigo me chamou a atenção esta semana pra como nas igrejas nos chamamos de Irmão e Irmã e tanto dentro como fora dela agimos em discordância disso. Que hipocrisia nossa chamar o próximo de Irmão/Irmã e agir com tanta indiferença! Eu amo essas pessoas que chamo de Irmão/Irmã como eu amo o meu irmão, ou meus primos e primas?
Velho... Uma ação vale mais do que mil palavras.

Vigiai e orai, "irmãos".

Um comentário:

  1. Oi moça,
    não sei seu nome, mas acabei encontrando seu blog numa pesquisa no google sobre linfonodos. Coincidência? Não. Jesuscidência!!
    Que lindo sua descrição como cristã e futura médica, me emocionei aqui :$ rs

    Continue escrevendo no blog. Amei aqui!
    Que Deus continue te abençoando, irmã. :D

    haissateixeira.blogspot.com

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